¬ Lição de economia nº14: Política monetária (Parte 4 - Taxa selic e concentração de renda)

O papel dos Bancos na economia: de atravessador a intermediário

Na lição nº13 vimos que os bancos são grandes atravessadores. Negociam uma mercadoria chamada dinheiro. Buscam os que estão com dinheiro parado para emprestar àqueles que necessitam para consumo (famílias), ou investimentos e capital de giro (empresas).

Lá tratamos apenas da poupança, para facilitar o raciocínio, mas o CDB (certificado de depósito bancário) também é uma forma importante de conseguir dinheiro pelos bancos e emprestá-los, com spread, na ponta. Nestes dois casos nós emprestamos dinheiro aos bancos e eles nos pagam juros, que são cobrados de seus clientes na ponta.

Mas, a atuação dos bancos não se restringe a essas 2 operações. Quando o assunto é dinheiro trabalham em áreas bem diversas. Além da poupança e dos CDB's podem, por exemplo, pegar nosso dinheiro para aplicar em dólar (fundos cambiais), em ações na Bovespa (fundo de renda variável ou fundo de ações), em imóveis (fundos imobiliários), ou ainda emprestar nosso dinheiro para o governo (fundos de renda fixa e fundos DI) – veja abaixo a legenda. Isto é, as possibilidades são diversas, e cada investimento que ele faz com nosso dinheiro dá um nome específico a um tipo de fundo de investimento, facilitando a identificação de onde a “grana” está sendo aplicada.

Notem que, neste último caso, ele atua não como um atravessador, pois não compra meu dinheiro. É um intermediário, pois me conduz diretamente ao outro interessado, cobrando uma taxa por isso, a taxa de administração ou corretagem. Em alguns casos, como no fundo de ações, cobra também uma taxa de performance, ou seja, se o ganho com as ações for razoável ele me exige, além da taxa de administração, um adicional, uma performance pelo bom gerenciamento do meu dinheiro.

Comparemos um feirante a um banqueiro e assim nos coloquemos no ponto de vista de um vendedor de laranjas ou de dinheiro (investidor). Ao comprar minhas laranjas (dinheiro) e revendê-las para clientes diversos ele atua como atravessador, pois comprou-as de mim por um preço (juro) e escolhe pra quem vender, quando vender e a que preço vender, já que dependendo do cliente o risco pode ser maior ou menor pra ele (cheque especial, capital de giro, cartão de crédito, leasing, empréstimos consignados etc). Portanto, se tudo der errado o risco, e prejuízo, é dele, pois eu tenho garantido o meu rendimento, pois já me pagou pelas laranjas.

Agora pensem na seguinte situação. Eu tenho laranjas (dinheiro) e peço ao feirante que me coloque em contato com um restaurante específico, pois quero direcionar minha venda de laranjas pra ele. O feirante (banco) pode me cobrar uma taxa por fazer essa ligação, atuando nesse caso não como atravessador, mas como um intermediário. Surgem aqui os fundos de investimento. Neste caso, como eu escolhi para quem vender minhas laranjas (meu dinheiro), se minha negociação der errado, ou se o preço ficar aquém do que imaginava, o prejuízo é meu e o banco não me devolverá a taxa de administração.

De forma mais resumida ainda. Quero vender o meu carro e tenho duas opções: 1) ou o vendo pra uma agência de veículos que me paga um valor por ele - se ela não conseguir vendê-lo depois é problema dela pois já estou com o dinheiro na mão; 2) ou aviso a mesma agência que tenho um carro pra vender e que ela me arrume o cliente. Ela pode aceitar esse acordo e me cobrar um percentual pra fazer isso. Neste caso quando ela me indicar um cliente ganha o seu percentual, mas se o cheque do comprador do carro voltar o problema, prejuízo, é meu. A corretagem não será devolvida pela agência.

Portanto, depósitos na poupança, CDB, LCI (letras de crédito imobiliário), títulos de capitalização etc tornam o banco um atravessador. Depósitos em fundos de investimento fazem dele um intermediário. Por isso, em fundos de investimento eu compro uma cota, um pedaço do fundo (que nada mais é que um pedaço da Petrobras, um título do governo etc). O banco não tem obrigação alguma de me dar algum rendimento. Recebe sua taxa de administração e só. Dali pra frente todo o risco é meu, e o meu lucro dependerá do comportamento do ativo que comprei, podendo me levar, inclusive, ao prejuízo.

Então, olhando para a captação que os bancos fazem via CDB vemos que o princípio é o mesmo da poupança. Pagam, por exemplo, 0,9% ao mês no CDB e emprestam esse dinheiro às famílias e empresas a 3%. Essa diferença (2,1%), como já explicamos, é o spread bancário. Portando, esse termo é usado para mostrar a diferença entre o que o banco paga ao captar recursos (poupança, CDB's etc) e o valor que ele cobra.

* leia aqui um artigo completo sobre investimentos no mercado financeiro, custos envolvidos, rentabilidade etc.


Fundos renda fixa/DI e concentração de renda

Mas, o que nos interessa aqui é quando o banco atua como intermediário, cobrando uma taxa de administração, para emprestar ao governo. Pra isso cria os fundos DI e renda fixa, com muita propaganda na TV por sinal. Sim, nós podemos emprestar nosso dinheiro pro governo! O banco só faz a intermediação. Mas que implicações tem isso?

Quando falamos que o governo, ao elevar a taxa selic, pega dinheiro emprestado com os bancos não contamos toda a verdade. Pega com os bancos, mas a maior parte pega com “poupadores”, não os da poupança, mas investidores das classes média e alta, principalmente. Ou seja, quando o governo faz política monetária restritiva atrai o dinheiro dos bancos, mas em grande parte dos investidores com renda elevada que buscam um bom retorno. Se concluímos que ao fazer isso o governo contrai uma dívida pública interna com os banqueiros, também concluímos que essa dívida é, em grande parte, com as pessoas mais abastadas que entraram nessa operação.

Vou além. Se boa parte da dívida do governo é não só com os bancos, mas com as pessoas físicas que também o emprestaram, por intermédio dos bancos, pra quem vai aquele superávit primário, fruto da política fiscal restritiva?

Triste, mas é verdade. Aquela bolada que sai da elevação nos impostos e controle nos gastos públicos é entregue aos bancos. E estes repassam boa parte a quem fez as aplicações nos fundos DI e renda fixa, os investidores ricos.

Traduzindo em miúdos. O dinheiro dos impostos, que afeta mais as classes mais baixas, e o dinheiro do controle nos gastos públicos, que também afeta mais os de menos posses (poucos investimentos em creches, postos de saúde, segurança, saneamento básico etc) é drenado para os bancos e as classes mais ricas. Esse processo de transferência de renda dos mais pobres para os mais ricos é chamado de concentração de renda.

Ou seja, quando vemos a taxa selic subir para fazer política monetária, imaginamos que quem ganha com isso são os banqueiros. Vemos que não só eles, mas também aqueles que tem um bom dinheiro sobrando e que também emprestam ao governo por meio dos bancos. Enfim, aos que tem dinheiro sobrando esse "esquema" é uma grande 'Festa de Babette'. Dá pra entender porque nem todos reclamam das altas na taxa selic.

Esquematizando:

Selic elevada (política monetária restritiva) = + dívida do governo (com bancos e pessoas físicas) = + superávit primário (política fiscal restritiva) = + concentração de renda

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 Quem paga mais imposto?

Essa indagação passa a ser importante se queremos justificar a concentração de renda pela exagerada taxa selic real - uma das mais elevadas do mundo. Nos perguntamos então: como a elevação no superávit primário, para pagar a dívida, em boa parte com os mais ricos, não afeta a ambos, pobres e ricos, da mesma forma, afinal, todos pagam impostos?

A resposta veio no título de uma reportagem da Folha Online de maio de 2008, fruto de uma pesquisa feita pelo IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), cujo título era: "Pobres pagam 44% mais impostos do que ricos". Reproduzo aqui um trecho da reportagem.

“Os impostos no Brasil pesam mais sobre os que têm menor renda. Os 10% mais pobres pagam 44,5% mais do que os 10% mais ricos, de acordo com pesquisa elaborada pelo Ipea (…) Segundo o estudo, a carga tributária representa 22,7% da renda dos 10% mais ricos. Para os 10% mais pobres, no entanto, o peso equivale a 32,8% de sua renda (…) A explicação para a diferença entre o peso dos impostos está na forma de cobrança. A base da arrecadação no Brasil é mais forte na chamada tributação indireta, ou seja, embutida em alimentos ou bens de consumo. Como o brasileiro mais pobre gasta a maior parte de sua renda em consumo, paga mais impostos (…) Segundo o presidente do Ipea, Márcio Pochmann, ’Esse modelo é inaceitável. A pesquisa mostra que, por conta da tributação desigual, a concentração das riquezas continua fortemente nas mãos dos mais ricos. Ele defende a criação de um imposto extra sobre fortunas ou heranças, no caso de patrimônio’”.

O raciocínio da citação acima pode ser demonstrado por um cálculo básico. Imaginemos uma família que ganhe R$500 e gaste tudo com alimentação no fim do mês, cuja tributação é de 30%. Ou seja, paga R$150 de tributos para o governo, embutidos nos preços dos alimentos. Agora, imaginemos uma família com renda de R$10.000. Consideremos que gastem R$1.000 com alimentos. Pagariam os mesmos 30% de impostos, ou seja, R$300. No entanto, isso representa apenas 3% da sua renda total  (R$300/R$10.000). Esses 3% pagos pelas classes mais altas representam bem menos que os 30% pagos pelos mais pobres.

O estudo do IPEA justifica como a alta taxa selic é o fator que mais contribui para a concentração de renda. Contribui mas não é o único elemento, já que elevações no salário mínimo acima da inflação (como temos visto a partir de 2003), o programa do Bolsa Família etc etc tendem a minimizar um pouco essa alta concentração de renda.

Tudo que discutimos aqui não nos permite, de forma alguma, concluir que os culpados pela concentração de renda no Brasil são os ricos. Eles apenas buscam a melhor forma de aplicação de seus recursos, e se é o governo quem paga bem (Fundos DI e renda fixa), este último sim deve ser o culpado. Ninguém pode ser condenado por ser rico, desde que esse enriquecimento tenha sido lícito, e neste caso é – até porque, mesmo pobres, assim que acumulamos um dinheirinho também buscamos um bom investimento, e por que não nos fundos DI e renda fixa!?



4 comentários:

  1. óóó..e não é que até deu pra entender?!?!Um pouquinho, mas deu!hehehehe...
    =)

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  2. O que se torna obvio, que quanto maior os gastos públicos, o Banco Central precisa evitar a sangria causada pelo governo aumentando a taxa Selic, aumentando a taxa Selic aumentasse também a concentração de renda. Só o governo esquerdista do PT acha que aumentando os gastos publicos e aumentando a dívida pública se obtem distribuição de rendas!!! E ainda fazem discurso como se isso fosse bom para o País!!!

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  3. kantega10/29/2010

    Oi André, permita-me discordar um pouco do seu raciocínio. Volto no tempo, apenas 12 anos, pra lembrar que boa parte da elevação na dívida pública que temos hoje veio da selic elevada daquela época - e não era um governo esquerdista do PT, era o PSDB. E esta não subiu porque os gastos do governo estavam descontrolados, mas porque foi o artificio utilizado pelo governo, na época, para atrair capitais de curto prazo e manter o câmbio fixo, garantindo assim o Plano Real e a reeleição em 2008. Não concordo com esse raciocinio que toda vez que surge a inflação o problema é do descontrole dos gastos publicos, até pq a inflação tem mais 4 outras fontes que não o consumo, e uma grande parte dela de lucro - as vezes o excesso de gastos gera inflação sim, e se vier por essa fonte confesso que fico até feliz, pois a infraestrutura, em tese, está melhorando. Esse raciocínio é bastante destrutivo pq se toda vez q a inflação surgir a desculpa é que o Estado está gastando demais teremos sempre essa política fiscal ortodoxa q o Brasil tem utizado, e o resultado é claro: pouco investimento em saúde, educação, infraestrutura etc.

    abs

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  4. Priscilla Pinheiro9/29/2012

    em suma, o pobre fica cada vez mais pobre, e o rico cada vez mais rico?
    Isso que é Brasil??

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