¬ Lição matemática nº4: Inflação e reajustes salariais

Duas questões são importantes quando o assunto é reposição salarial. A primeira é o índice de inflação a ser utilizado. Tem que ser específico para isso (ver detalhes dos índices na Lição de economia nº5). A segunda é o percentual a ser pedido, negociado. Ele nada mais é que a inflação acumulada durante um período. E essa inflação é expressa na forma de um índice. Por isso, um deles deve ser escolhido.

Façamos as nossas simulações aqui com o INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor) do IBGE. Na data base, data de renegociação dos salários, imaginemos que o INPC tenha se comportado da seguinte forma:

.
INPC acumulado nos últimos anos:

2007: 5,0%

2008: 6,0%

2009: 7,0%

.
Quanto devo pedir de reajuste? É a soma dos 3 anos, logo, 18%? A resposta é  "não!", pois a inflação de hoje vem sobre a inflação de ontem, ou seja, é cumulativa. Façamos o seguinte raciocínio: imaginemos o valor de R$100 para simplificar, que poderia ser o de uma cesta básica, ou o nosso salário mesmo. Vejamos o efeito dessa inflação sobre a cesta ao longo dos 3 anos.

Valor da cesta no final de 2007: R$100 x 1,05 (1+i/100) = R$105,0

Valor da cesta no final de 2008: R$105 x 1,06 = R$111,3

Valor da cesta no final de 2009: R$111,3 x 1,07 = R$119,1

.
E de quanto foi a infação nos 3 anos? Há várias formas de determinar essa inflação acumulada no período 2007-2009:

1º) Valor perdido ao longo dos 3 anos, já que a cesta subiu mas, meu salário não: R$19,1. Ele representa 19,1% do valor inicial. Portanto, R$19,1/100 = 0,191 x 100 = 19,1%.

2º) De R$100 para R$119,1 tivemos um crescimento de 19,1%, pois R$119/R$100 = 1,191 -1 = 0,191 x 100 = 19,1%

3º) Pela fórmula da lição anterior: Inflação acumulada = (1,05) x (1,06) x (1,07) = 1,191-1 = 0,191 x 100 = 19,1%

.

Concluímos que o preço da cesta básica, e do salário, deveria ser de R$119,1. Ou seja, o reajuste deve ser de 19,1%. Observem que esse valor encontrado é superior àquela soma da inflação nos 3 anos, de 18%.

Essa diferença entre a simples soma (errado) e o cálculo da inflação sobre inflação fica mais gritante se a inflação for mais elevada e/ou se o tempo sem reajuste for maior. Para ilustrar isso suponhamos um INPC anual de 30%. Vamos a outro exemplo e continuemos com a mesma cesta de R$100 para descobrir a inflação acumulada.

.
Valor da cesta no final do ano 1: R$100 + 30% = R$130

Valor da cesta no final do ano 2: R$130 + 30% = R$169

Valor da cesta no final do ano 3: R$169 + 30% = R$220

.

Perda em reais ao longo dos 3 anos = R$100 – R$220 = - R$120. Logo, a inflação acumulada no período não foi a soma de 30% ao longo dos 3 anos, que daria 90%, mas 120% (1,3 x 1,3 x 1,3 = 119%).

O salário de R$100 precisaria ser reajustado em 119%, para R$219.

.
Conclusão: inflação acumulada NUNCA é a soma das inflações anteriores, mas uma sobre a outra. A fórmula mais prática, e rápida, de efetuar esse cálculo é multiplicar as inflações (1+i/100) e deflações (1-i/100) como vimos na lição anterior.

..
Se retomarmos o exemplo utilizado na lição2, podemos calcular o percentual acumulado de outra forma.




Mesesjaneirofevereiromarçoabril
Vendas100.000102.000175.300165.000
Variação percentual-+2%+71,8627%-5,8756%

.
O crescimento de janeiro para abril foi de 65% (165.000/100.000). Mas, de quanto foi o crescimento % acumulado? Já vimos que não posso somar 2% + 71,86% - 5,87%. Nossa solução pra isso foi:

100 + 2% = 102

102 + 71,8627% = 175,2999

175,2999 - 5,8756% = 165,00 = 65%

.
Portanto, o crescimento foi de 65% (165/100). Esse valor é exatamente o mesmo encontrado acima quando pegamos o faturamento de janeiro e comparamos com o de abril. São o mesmo porque o faturamento de abril já vem acumulado dos meses anteriores. Logo, dá no mesmo acumular os percentuais ou pegar a diferença entre o primeiro e o último faturamento.

.
Queda no poder de compra

No exemplo anterior vimos que uma elevação nos preços de 30% ao longo dos anos resulta em um acumulado de 120%. Isso significa que o nosso poder de compra caiu em 120%? Não! Do contrário meu poder de consumir estaria zerado, ou seja, eu não compraria nada. Vamos a um exemplo: Imaginemos que nossos 100 sejam gastos no consumo de batatas. No 3º ano as batatas custariam 220 reais em função da inflação. No entanto, meu salário continua sendo de 100 reais. Assim eu ainda consigo comprar batatas, mesmo que em quantidade menor, pois a inflação fez com que o preço delas subisse. O que preciso é reajustar meu salário em 120% para voltar a comprar as mesmas batatas, já que agora compro bem menos do que isso. Mas, de quanto foi, então, a queda no meu poder de compra?

O que ganho hoje, R$100, representa 45% do valor das batatas que está agora em R$220, (100/220). Ou seja, com meus R$100 reais continuo comprando ainda um pouco delas,  45%, que é o meu poder de compra atual. Concluímos que a queda no poder de compra nesses 3 anos, com relação ao novo preço das batatas, é de 55%.

Em resumo, cuidado para não confundir a necessidade de crescimento no meu salário (120%) com a queda no meu salário real (poder de compra), que não foi de 120%, mas de 55%. Isso implica que para recuperar essa queda de 55% no meu poder de compra preciso de uma elevação de 120% no meu salário nominal de R$100, o que o levaria pra R$220.

.

Ganhos nominais (ou aparentes) e ganhos reais

Imaginem que um imóvel tenha sido comprado por R$100.000 e vendido, após 1 ano, por R$120.000. Qual o ganho, em percentual, dessa operação?

.
 De R$100.000 para R$120.000 o ganho foi de 20% (20.000/100.000).

.
 Contudo, se a inflação no período foi de 25% de quanto foi o ganho real? A diferença entre 20% e 25%? Não! Já vimos que quando se trata de inflação nunca podemos simplesmente diminuir taxas. A primeira pergunta que nos fazemos é: "quanto valeria o imóvel reajustado pela inflação hoje?". Assim, o valor da venda corrigido pela inflação deveria ser:

.R$100.000 x 1,25 = R$125.000

Como foi vendido por apenas R$120.000 isso implica uma perda de R$5.000 com relação ao valor corrigido pela inflação, ou seja, 4% (R$5.000/R$125/000). Ou seja, eu deixei de recuperar R$5.000 dos R$125.000 que deveria valer o imóvel corrigido pela inflação. A subtração entre a inflação e o ganho (20% - 25% = -5%) está errada. Meu ganho aparente de 20% é, na verdade, uma perda real de 4%.

Encontraríamos o mesmo resultado ao deflacionar o valor da venda pela inflação e comparar com o valor da compra do imóvel. Assim teríamos:

.
 R$120.000/1,25 = R$96.000

.
Como o valor de compra do imóvel foi de R$100.000, temos uma perda real de R$4.000 sobre o valor da compra, -4% (R$4.000/R$100.000).

Ou seja, ou levamos, inflacionamos (capitalizamos), o valor da compra para o futuro e comparamos a perda/ganho com esse valor de compra corrigido pela inflação. Ou trazemos, deflacionamos (descapitalizamos), o valor da venda para o presente para compararmos a perda/ganho com o valor da compra.

..
Ganhos nominais (ou aparentes) e ganhos reais nos salários

Aprofundemos um pouco o raciocínio. Suponhamos que em uma economia com inflação o assalariado tenha tido um reajuste no salário ao longo dos anos. Como calculamos o seu ganho, ou perda, real neste caso?

Suponhamos um indivíduo que teve o seu salário nominal reajustado como na tabela abaixo. Imaginemos também que a inflação no período tenha sido de 12% em 2007/8 e 20% em 2008/9, com um acumulado de 1,344 (1,12 x 1,2).

.

anosinflaçãoInflação acumuladaSalário reajustado (ganho aparente)salário deflacionadoCresc. real
2007/812%1,121100    (10%)1100/1.12   = 982-1,8%
2008/920%1,3441300   (18,18%)1300/1,344   = 967-1,5%

..

A coluna 5 mostra que o salário nominal reajustado (coluna 4), quando deflacionado (coluna 3) resulta em um salário real no tempo zero, quando meu salário é de 1.000. Logo, se comparo esse valor real com o meu salário no tempo zero noto que ele é inferior. Isso mostra que o ganho de 10% entre 2007/8 foi apenas aparente. De R$1.000 para R$982 houve uma queda, perda real, de -1,8% (isto é, 982/1.000 = 0,982 - 1 = -0,018 x 100 = -1,8%). Da mesma forma, o ganho aparente entre 2008/9 foi de 18,18%, mas o real de -1,5% (queda de R$1.300 para R$967).

No acumulado no período (2007/9) a perda real foi de 3,3% (R$967/R$1.000), bem diferente daquele ganho aparente de 18,18%.

Cálculo alternativo: Como sabemos que o salário nominal é de R$1.100 e o salário ideal, reajustado pela inflação, deveria estar em R$1.120 (R$1.000 x 1,12), podemos achar os resultados acima descobrindo o quanto essa diferença representa de perda para o salário:

.
2007/8: R$1.100 – R$1.120 = R$-20/R$1.120 = -1,8% de perda real (R$20 perdidos sobre o salário de R$1.120 corrigido pela inflação de 12%)

.

Acumulado 2007/9: R$1.300 (valor reajustado) – R$1.344 (valor ideal com a reposição da inflação) = -R$44/R$1.344 = -3,3% de perda real acumulada (R$44 perdidos sobre o salário de R$1.344 corrigido pela inflação acumulada nos dois anos).

.

Conclusões



  •  reajustes salariais negociados de forma aleatória, sem um índice de inflação como referência,  podem não recuperar a inflação acumulada. Os ganhos aparentes podem não compensar a elevação nos preços, tornando-se uma perda real

  • como a inflação ocorre mês a mês as minhas perdas são mensais. Já que a minha negociação é feita uma vez no ano, quando reponho a inflação essas perdas ao longo do ano não são repostas, pois implicaram queda no meu mensal. O reajuste apenas garante que, dalí pra frente, meu poder de compra seja recomposto - até que eu o perca gradativamente, mês a mês, ao longo do ano seguinte . Analisando bem, o reajuste só me garante o mesmo poder de compra no mês em que foi reajustado, já que no mês seguinte a inflação já corrói um pouco o meu salário nominal. De qualquer forma, é melhor que nada.

  • o link (http://fundos.economia.uol.com.br/uol/calculadora-indices-inflacao/) permite calcular a inflação acumulada de 2000 até hoje para diversos índices.

Um comentário:

  1. Anônimo1/02/2017

    Se muitos soubessem da utilidade de um blog assim o país não estaria onde está.
    Comentários inúteis em certos sites acontece aos montes.
    Obrigado e parabéns!

    ResponderExcluir